“Cada vez que olho para publicações online que são semanais, quinzenais, mensais e até com maiores periodicidades, eu tenho que sorrir”

“Cada vez que olho para publicações online que são semanais, quinzenais, mensais e até com maiores periodicidades, eu tenho que sorrir”

Num ano ainda marcado pela pandemia que balanço faz da realidade do setor editorial em Portugal?

Ninguém estava preparado para viver com restrições, sobretudo para uma aceleração tão grande da entrada do digital na vida das pessoas. Apesar de tudo, foi menos difícil ao nível dos investimentos publicitários, que diminuíram, mas não desapareceram. As vendas das publicações caíram, mas não foram buracos totais, sobretudo da imprensa regional e de alguma imprensa especializada, pelo facto de terem ainda um negócio que era feito através de assinaturas e que conseguiram manterem-se minimamente estáveis.

Diria que o resultado final, serve para pensarmos nas novidades e nas implicações que este tempo traz, o que é preciso fazer na organização da edição para que sejamos mais resilientes, assim como, para percebermos o que vem pela frente em termos de negócio. E isso, não é fácil.

Quais as principais dificuldades apresentadas pelos associados da API no desenvolvimento da sua atividade?

A maior dificuldade é por um lado, as entidades públicas não terem percebido, não quererem perceber, que este setor merecia uma atenção dirigida. Não é uma atenção especial, mas dirigida, ou seja, para ser ter algum tipo de apoio dirigido às empresas em termos de pandemia, era preciso cumprir rácios que as publicações não podiam cumprir ou que as publicações não tinham como demonstrar.

O modelo que existia tinha que ter uma perda de atividade em relação ao ano passado, tem que ter uma perda de faturação. Isso acontecia, mas também acontecia no nosso caso. Outras dificuldades que tornam mais cara a nossa atividade, em termos de deslocações, organização do trabalho dos jornalistas e isso deveria ter merecido por parte das entidades públicas uma consideração especial. E não mereceu. Se pensarmos nos últimos anos dez anos somos capazes de achar que isso é um ato continuado por parte dos poderes públicos e isso é muito preocupante. Aquilo que poderíamos achar que era uma tendência que se desenhava agora é uma tendência que se verifica com preocupações grandes para o futuro.

João Palmeiro foi direto ao assunto sobre se existe alguma medida programada da chamada “bazuca” para o setor editorial

Como vê a API a recente proposta de Lei sobre a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era digital?

A API anda a discutir isso há dez anos. A Carta dos Direitos Humanos na Era digital é a consequência da Carta Europeia dos Direitos na Era digital, para que cada estados-membros publicasse uma série de princípios. O que aconteceu foi que várias oportunidades e necessidades se cruzaram durante a presidência portuguesa, e um processo que tinha ficado para discussão aprofundada, com tempo, como é necessário dadas as questões que estavam em cima da mesa, teve que ser acelerado e ao ser acelerado estabeleceu-se uma série de confusões que introduziram uma discussão que não era de todo a versão que a Carta Europeia pretendia motivar.

A Carta tem um aspeto extraordinariamente importante contra a pirataria, na medida em que a Carta prevê a regulamentação da forma como os proprietários de direitos de autor podem de uma forma mais rápida retirar ou fazer retirar conteúdos que estão a ser usados de maneira pirata. Isso para nós é muito importante. Estamos a falar de conteúdos que são disseminados no Whattsapp, no Facebook, sem autorização e em grandes grupos, podem ser (quando essa regulamentação começará a ser discutida em outubro na Assembleia da República) retirados muito rapidamente. Aliás, nós sabemos que nos últimos sete anos na base de um acordo de princípio entre o Governo através da Inspeção Geral das Atividades Culturais.

A carta tem esse lado positivo que é em transformar em regulamentação de uma lei aquilo que até agora era apenas uma prática de bons princípios na luta contra a pirataria. E isso estamos muito persuadidos que até ao fim do ano será possivel conseguir essa mudança. Do outro lado, aquilo que diz respeito ao combate às notícias falsas e por aí fora, acho que foram introduzidas algumas confusões de análise e até algumas traduções mal feitas na discussão, e isso, leva a que vamos ter que partir do ponto zero.

A Associação é há muitos anos defensora que a solução para aquilo que a Carta quer implementar é a reinstalação do Conselho de Imprensa, que por um lado insere a autorregulação e por outro lado insere a discussão e a absorção das novas tecnologias, poderia ultrapassar e responder aos objetivos desta parte da Carta que ia assegurar. Se por um lado os cidadãos podiam recorrer de conteúdos que pudessem ter algum tipo de desconfiança e por outro lado que as entidades produtoras de conteúdos pudessem ter razões para se sentirem protegidas quando produzem esses conteúdos de uma forma organizada editorialmente e jornalisticamente baseada.

Numa palavra, se tirarmos a segunda parte que é da luta contra a pirataria é uma grande confusão aquilo que aconteceu com a Carta dos Direitos Humanos na Era Digital.

Para o presidente da API, o futuro a curto/médio prazo das publicações periódicas (não diárias) deve ser repensado

Como é que a API olha para a cobertura dos assuntos relacionados com a pandemia por parte dos mass media em contraste com as publicações regionais e locais?

Inicialmente fomos confrontados com uma total inépcia dos serviços públicos, estou a falar da Direção Geral de Saúde, de Institutos, como o Dr. Ricardo Jorge, que fazem análise, e uma total inépcia da compreensão para os jornais regionais não era suficiente, pelo contrário, podia ser muitas vezes contraproducente a dar resultados que englobavam apenas o número nacional.

Não perceber que os jornais regionais são jornais de proximidade, quando estamos a falar de Vila Real, aos dois jornais que existem, poder aceder aos números daquilo que foram os impactos na cidade, território, distrito, era uma coisa absolutamente indispensável. Se não fosse assim, esses jornais tentariam obter informações contraditórias que vinham de fontes que não se queriam identificar, não queriam assumir a paternidade da informação e resultava numa enorme confusão.

De início foi muito difícil convencermos a DGS e outras entidades que tinham os dados, que era preciso também fazer uma divulgação mais fina de jornais, e, até as rádios locais, que estavam interessados. A Associação envolveu-se muito no ano passado numa análise, num estudo, num apoio dado pelo Google e Facebook para as redações obterem informação sobre a pandemia.

Diria que hoje em dia estamos muito próximos de um ponto em que, a não ser que haja algo extraordinariamente importante na mudança do modelo de análise da pandemia, temos por vezes que intervir e lembrar que a imprensa regional existe.

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