Revisitando “a proposta simples para um SNS doente”
Artigo de opinião da autoria do médico oftalmologista Miguel Sousa Neves*, publicado originalmente no Observador:
Com um Serviço Nacional de Saúde (SNS) com capacidades muito reduzidas para responder a uma fase de crise pandémica e já anémico por uma desmotivação crescente dos seus ativos mais importantes – os profissionais de saúde – é necessário encontrar um modo de o reativar sem que tudo fique na mesma.
Todos sabemos que o nosso Serviço Nacional de Saúde sofre há vários anos de uma descapitalização progressiva que tem “empurrado” cada vez mais profissionais de saúde para um sistema privado que, por consequência lógica, está em franca expansão a nível nacional.
O chamado Sistema Nacional de Saúde conta necessariamente com o setor privado e social para além do espaço público de saúde devendo haver um equilíbrio justo e natural para que se possa cumprir a Constituição Portuguesa.
O que todos notamos é que o enfraquecimento sucessivo do serviço público está a levar a danos praticamente irreversíveis com penalizações graves para os mais desqualificados da comunidade apesar de estarmos a ser inundados com paletes de produtos de cosmética para que o óbvio pareça irrelevante no mundo da informação.
Também já nos cansamos de ouvir quais os problemas de que padece o SNS e quais as possíveis soluções a todos os níveis. E como isto começa a perder o interesse pelo “cansaço” inocente ou provocado, então iremos assistir a um decair sem retorno e em 10 anos olharemos para trás com saudade de um SNS de excelência que já tivemos.
Precisamos então de mudar para nada fique na mesma como é apanágio da nossa cultura política.
Como sabemos, se formos utilizar os mesmos atores na área da saúde dos últimos anos e as mesmas práticas pretensamente reformistas, iremos muito provavelmente obter os mesmos resultados: zero reformas que se notem e mudem de uma vez por todas o paradigma da saúde em Portugal.
E qual a possível solução?
Se olharmos ao que se passa em países sensivelmente da mesma dimensão que o nosso como a Dinamarca e mesmo a Nova Zelândia e com o mesmo tipo de financiamento baseado nos impostos como estes e mesmo a Inglaterra reparamos que há uma mudança radical no modo como o negócio (do latim “negócio como sendo qualquer atividade que não está destinada ao lazer, mas sim à produtividade económica”) é efetuado: a gestão da saúde é altamente profisionalizada e convenientemente separada do crivo dos gabinetes do Ministério da Saúde.
Na Nova Zelândia essa equipa de topo que tem por missão gerir no terreno todos os assuntos da Saúde chama-se inteligentemente de “National Leadership Executive” e o seu líder é um médico prestigiado com conhecimentos sólidos em gestão. Na Dinamarca há uma descentralização efetiva do sistema sob a supervisão do “Danish National Authority”. Na Inglaterra e apesar de problemas complexos no acesso e na qualidade de serviços decidiu-se manter o mesmo sistema separado de gestão com um CEO que já lá está há vários anos.
Precisamos assim que o poder político e executivo possa assumir com coragem e sagacidade a criação de uma pequena equipa de líderes com formação clínica específica e conhecimentos robustos de gestão a quem será passada a responsabilidade e autonomia de dirigir o SNS num espaço de tempo para além de uma legislatura e que possa ir aos poucos reconstruindo/reformando o sistema de saúde.
Esta é a nossa proposta.
Impossível? Não será.
Improvável? Sim, pois em Portugal delegar tarefas é sempre muito difícil porque os circuitos de poder têm esquemas muito próprios de funcionamento.
*Médico oftalmologista, mestre em Gestão de Serviços de Saúde pelo ISCTE, presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde, presidente da Direção da Competência em Gestão dos Serviços de Saúde da Ordem dos Médicos e pós-graduado em Direção de Unidades de Saúde