O Dia Mundial da Visão e a implicação da Covid-19 na Saúde Visual
Artigo da autoria de Alberto Silva, diretor de Saúde Visual da Essilor Portugal:
O Dia Mundial da Visão comemora-se anualmente na segunda quinta-feira de Outubro. A data, inicialmente criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerado a data mais importante na área da Saúde da Visão, sendo uma iniciativa conjunta da Organização Mundial da Saúde e da International Agency for the Prevention of Blindness (Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira). A importância da atenção dedicada à Saúde da Visão e o seu impacto no dia-a-dia das populações é o principal propósito desta iniciativa.
Segundo a OMS, 80% de todas as causas de deficiência visual são evitáveis ou podem ser tratáveis mediante prevenção adequada e atempada. Dados apresentados em 2019 evidenciam que aproximadamente mil milhões de pessoas, em todo o mundo, sofrem de problemas visuais evitáveis ou que ainda não foram adereçados. Estes números sobem para 2,7 mil milhões quando falamos da população com má visão por má correcção ou nenhuma correcção visual. O principal factor para estes números de cegueira e deficiência visual são os erros refractivos (mal corrigidos ou não corrigidos) e a catarata, ambos evitáveis, especialmente em países desenvolvidos e em que a população tem acesso a cuidados específicos de Saúde Visual. A prevalência, em regiões de médio e baixo rendimento estima-se que seja quatro vezes superior. A faixa etária mais atingida está acima dos 50 anos. Há, no entanto, uma redução contínua na prevalência padronizada por idade de cegueira e deficiência visual, mas o crescimento e envelhecimento da população mundial está a causar um aumento substancial no número de pessoas afectadas. Essas observações, mais uma contribuição elevada da presbiopia (dificuldade em ver objectos próximos – comummente referida como “vista cansada”) não corrigida, destacam a necessidade de aumentar os esforços de alívio da deficiência visual a todos os níveis. As consequências relacionadas com a má visão e as patologias visuais associadas à idade são óbvias e afectam oportunidades económicas e educacionais, reduzem a qualidade de vida e aumentam o risco de morte.
Relacionando estes dados com o contexto actual, em que no confinamento pandémico obrigatório muitos de nós nos vimos obrigados a reajustar a forma de lidar com todo o espectro do nosso dia-a-dia, nas suas mais variadas amplitudes: familiar, profissional, individual, de lazer, de ócio, etc., deparamo-nos com novas – ou mais acentuadas, pelo menos – formas de impacto ao nosso sistema visual. De um dia para o outro, vimo-nos privados dos hábitos que tínhamos como garantidos, com implicações enormes no nosso dia-a-dia. A indefinição do “amanhã” e a consequente implicação no meu “eu”; a incerteza do contexto e impactos futuros; a duração desta nova realidade; a definição do “meu propósito e necessidade de sentirmo-nos úteis; todos estes factores assombraram, duma ou doutra forma, a nossa realidade, obrigando-nos a passar e a fazer dentro de casa tudo aquilo que fazíamos em ambiente exterior. A saída de manhã para comprar pão, a ida para o trabalho, o almoço com colegas e/ou amigos, as reuniões cara a cara, os transportes públicos, as filas intermináveis ao final do dia, a ida às compras… de repente, tudo mudou. E todos, confinados em casa, começamos toda uma nova forma de lidar com o mundo, adoptando posturas, hábitos e formas de estar e fazer as coisas com impacto directo na nossa Saúde Visual: deixamos de ter actividades ao ar livre – menor exposição solar – com implicações directas no desenvolvimento precoce de miopia, especialmente em crianças.4,5 Sendo que este é um problema que se vem agravando há alguns anos e alguns estudos indicam que cada vez mais a população privilegia as actividades dentro de casa em detrimento das actividades ao ar livre. Os americanos, por exemplo, passam, em média, menos de 8% do seu tempo diário ao ar livre;6 excesso de actividades com visão de perto (ler, escrever e utilização de ecrãs), com consequente esforço de todo o sistema visual e com impacto ao nível do stress visual e de desenvolvimento de miopia; excesso de tempo em frente a ecrãs (tablets, smartphones, laptops, consolas, etc.) – dados dos Iphones demonstram que o tempo total passado em frente ao ecrã disparou, as vendas da Nintendo switch aumentaram 34%, 8 a Netflix aumentou o tempo médio de streaming para 3 horas (2 horas em 2019) durante o confinamento e os seus lucros dispararam. Tudo isto com consequências potenciais bastante negativas variando entre a fadiga visual, dores no pescoço, obesidade – menor exercício físico, mais tempo sentados e mais tempo em casa -, aumento da ansiedade e depressão; a exposição prolongada a radiação nociva, especialmente a luz azul-violeta nociva, emanada dos ecrãs, com consequências cumulativas a longo prazo para o bem-estar do sistema visual; má postura e iluminação deficiente, com impacto directo no esforço postural e consequente fadiga e dor, nomeadamente ao nível do pescoço, bem como stress e fadiga visual por exposição prolongada e sem pausas. A juntar a isto, há ainda o embaciamento das lentes, para quem usa óculos graduados, quando em utilização simultânea com a máscara – que neste contexto veio trazer para cima da mesa algo que no passado era um não-problema, ou então era sentido por alguns em situações bastante específicas e pontuais! Felizmente, já existem soluções que eliminam, ou diminuem, o impacto do enevoamento momentâneo causado pela respiração.
Alguns destes exemplos são impactantes e influenciam directamente a qualidade da nossa visão, bem como de todo o nosso sistema visual. Uma primeira fase de tomada de consciência, seguida de um controlo efectivo de tudo o que conseguimos gerir por forma a causar o menor impacto possível dos factores externos no nosso sistema visual, passando pela consulta regular a um especialista de Saúde Visual – e consequente correcção óptima de todas as anomalias visuais ou utilização de dispositivos protectores do sistema visual, são alguns dos factores fundamentais para a garantia da qualidade da nossa visão, bem como a fiança de uma qualidade de vida melhor.